Electra num mundo de palhaços!
O 8º Festival Nacional de Teatro de Juiz de Fora convidou alguns profissionais das artes cênicas para assistirem aos espetáculos e participarem de um bate-papo com os grupos participantes. O objetivo é contribuir com as produções e incentivar a reflexão acerca do fazer teatral. Confira:
Por Joice Rodrigues de Lima *
A Caravana Mezcla de Palhaços nos trouxe como proposta a recriação da tragédia grega euripidiana, a partir da linguagem das máscaras, principalmente do palhaço. Segundo o próprio grupo, a intenção foi sobrepor as figuras dos palhaços aos personagens do clássico texto, como forma de trazer uma encenação distinta para a tragédia de Electra.
Embora a ideia de uma tragédia fundida à linguagem clownesca cause certo estranhamento em princípio, torna-se possível se pensarmos no palhaço como deflagrador das escaras sociais presentes no texto. Em especial, neste texto de Eurípedes, a força do elemento sagrado é amenizada (se comparada a outras tragédias do mesmo período) e o mote determinante das ações dos personagens é impulsionado pelos fatores passionais.
Nesse sentido, em um primeiro momento, imagina-se que a figura do palhaço estaria à vontade neste ambiente trágico, dando vazão às questões inerentemente humanas presentes no texto. Pois, em sua essência, o palhaço é aquele que escancara sem pudores o contexto em que está inserido, seguindo uma lógica própria, à margem do pensamento comum. De acordo com Dario Fo (1998), “os clowns assim como os jograis e os cômicos dell’arte, sempre tratam do mesmo problema, qual seja, da fome: a fome de comida, a fome de sexo, mas também fome de dignidade, de identidade, de poder. Realmente a questão que abordam constantemente é de saber quem manda, quem grita.”
Crédito fotos: David Azevedo
Desta forma, penso que o espetáculo não aproveita a potência subversiva implícita no palhaço para tratar das questões sociais e humanas fortemente presentes no texto escolhido. Embora o grupo traga esta máscara, o jogo que a permeia não chega a acontecer em cena, pois os atores ficam presos à estrutura da tragédia e ao peso que o texto clássico carrega consigo. Assim, não conseguem deixar os palhaços aparecerem, tampouco proporem soluções e jogo cênico.
Para isso acontecer, seria necessário um mergulho maior neste universo trágico, de forma que, adquirindo extrema propriedade, se tornasse possível deixar esses palhaços falarem por si, transpondo tal tragédia, a partir de sua liberdade e lógicas inerentes.
Em decorrência, o que vemos são referências em meio à encenação que não se casam em um discurso estético. Muitos - e interessantes - são os elementos escolhidos na concepção, como os bonecos que representam os personagens mortos ou o cenário que remete ao picadeiro circense, porém os mesmos tornam-se gratuitos por serem explorados de maneira muito aquém de suas presenças.
O espetáculo foi apresentado no dia 1º de setembro, às 19h, no CCBM.
* Joice Rodrigues de Lima é mestre em Artes Cênicas pela Unicamp, atriz, professora e produtora teatral