Mundomudo: o Jogo do Fim
Por Anna Esteves (RJ)*
Silêncio! Trata-se de um imperativo do início ao fim. Mas é preciso “falar”! É preciso “falar” num tempo-espaço em que a palavra não faz mais sentido algum. A Cia Azul Celeste (São José do Rio Preto | SP) se sentiu motivada por uma linguagem da incomunicabilidade humana e se lançou numa pesquisa de oito meses para a construção do roteiro de ações que pudesse expressar esse mal-estar que está na ordem do dia. E para chegar ao irretocável resultado que foi mostrado (apenas) pela quinta vez, levou-se um ano e quatro meses de ensaio sob direção de Georgette Fadel e dramaturgia de Cintia Alves.
Jorge Vermelho e Henrique Nerys dão vida a dois velhos palhaços, Ramis e Clóvis, abandonados em um pequeno circo, que podem ser as casas dos espectadores, qualquer cidade, qualquer país. Importante ressaltar o extraordinário trabalho desses atores em que nada falta e nada sobra.
O universo claramente inspirado em Beckett nos propõe um processo aberto, uma dramaturgia a ser (in)completada a cada apresentação com o silêncio e o abandono do outro, singularidades do vazio de cada espectador.
É frequente nas montagens de Fim de Jogo querer resolver empiricamente o problema lógico da ausência temporária de sentido, organizando a cena e a atuação de Clov de tal maneira a provocar um riso fácil na plateia – a qual, confrontada com a falta de sentido aparente, estará mais do que pronta a embarcar numa gargalhada que a exima da responsabilidade de pensar. O riso fácil, nesse caso, é um riso inteiramente passivo e reafirmador, que estará determinado pelo pior sadismo, alimentado pela superioridade burguesa da posição de espectador-consumidor: o riso é o riso diante do homem esquisito, manco e ignorante que não sabe fazer seu trabalho direito.
Fotos por: Rodrigo Souza
Não é o que acontece em MundoMudo. A resignação de Clóvis ao seu cotidiano alienado e sem graça é transformada em riso para e por um espectador que passa a reconhecer sua impotência. Há uma mudança de qualidade desse riso numa espera contínua que se transforma em choro (seja externado ou não, como um nó no meio do sossego). Essa espera contínua é sugerida como complemento negativo do fato de que nada acontece, de modo que, apesar da ausência de um motor interno, a peça se arrasta com base na contínua frustração de uma esperança pela qual não é responsável, mas que mesmo assim explora com a saída de Clóvis no Jogo do Fim.
Ainda que para “lugar nenhum”, Clóvis tem a possibilidade de escolha. Existe uma intenção da Cia, na estrada dos seus 25 anos, em ecoar “um respeito de uma esperança enterrada”, como colocou Jorge Vermelho no debate que ocorreu após a apresentação. Bravo!
O espetáculo foi apresentado no dia 5 de setembro | 21h | CCBM
* Anna Esteves (RJ) é doutora em Artes Cênicas pela UNIRIO e em Artes, Línguas e Espetáculo por Nanterre (Paris X)